O escritor Mario Quintana chama a atenção pelo ‘humor-denúncia’, que investe contra o quadradismo das convenções, da vida, aquilo que se torna irônico justamente por se opor à vida. Por exemplo, observa-se esse humor na fala do Anjo Malaquias: “Dada, porém, a urgência da operação, as asinhas brotaram-lhe apressadamente da bunda, em vez de ser um pouco mais acima, atrás dos ombros.” (Quintana, 1976, p. 137); ou ainda no poema em prosa “Velha História”:
Poema em prosa “Velha História”: Mario Quintana
Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então, ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelo café. Como era tocante vê-los no "17"! o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial... Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: "Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..." Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado... (Quintana, 1976, p. 105)
Observa-se que esse poema em prosa (com enredo, personagens, narratário, a expressão “era uma vez” clássica de início de narrativas orais) possui vários elementos surrealistas. Por exemplo, a presença do insólito e do maravilhoso (o amor de um homem - grave, de preto - por um peixinho - pequenino e inocente, que vive fora d’água) é um posicionamento contra a imitação da vida, numa busca da vida verdadeira.
O artista René François Ghislain Magritte rejeitando o racionalismo e a lógica, seus quadros retratam um universo onírico.

Compare o texto com a pintura abaixo de que forma existe a modificação ao objeto real e sua representação, existe um diálogo com o texto e a imagem? Como você analisa?